Vamos falar um pouquinho sobre nossa atmosfera. A nível do mar, o ar é composto por 20,96% de oxigênio, 0,03% de gás carbônico, 78% de nitrogênio e 1,01% de outros gases e/ou partículas.
Ora, se conceituarmos de uma forma bem resumida que a pressão atmosférica é o peso de uma coluna de ar sobre qualquer coisa no nível do solo, então temos que 20,96% dessa força exercida é pressão de O2.
Acima, temos um exemplo do tamanho da coluna de ar em Santos, ao nível do mar, e em São Paulo, a 860m de altitude.
A pressão atmosférica, ao nível do mar, é de 760mmHg. Em um cálculo bem simples, 20,96% desse valor é aproximadamente 160mmHg. Logo, Patm O2 = 160mmHg.
Agora que fizemos uma breve introdução sobre a composição do ar e sobre a pressão atmosférica, vamos relacioná-los à fisiologia da respiração humana. Observe a figura abaixo:
Dentro dos pulmões, a pressão alveolar de O2 é da ordem de 105mmHg. Como a pressão externa ao organismo é maior, o ar tem facilidade de adentrar nos pulmões após contração do diafragma. A troca gasosa também é facilitada em virtude da pressão de O2, pois o sangue venoso chega com PvO2=40mmHg no alvéolo. Logo, se o sangue está chegando ao alvéolo com uma pressão de O2 a 40mmHg e encontra o alvéolo com uma pressão de 105 mmHg, a troca se processa e o sangue arterial segue com PaO2=105mmHg.
Não vamos nos esquecer que todo o parágrafo acima está baseado em pressões no nível do mar.
Voltando à troca gasosa. Esse sangue arterial que deixa o alvéolo leva mais oxigênio para os órgãos e tecidos do corpo humano. A distribuição desse gás no sangue é de 3% dissolvido no plasma e 97% ligado à hemoglobina. O curioso é que o oxigênio usado pelo organismo é retirado exatamente desses 3% dissolvido no plasma. Mas e os 97% que estão na hemoglobina? Conforme necessário, vai perdendo a afinidade com a hemoglobina e dissolve-se ao plasma, ficando também disponível para o organismo. Abaixo uma representação da hemoglobina.
Muito bem, a pouco falamos da afinidade da hemoglobina por oxigênio. Foi possível perceber que existe uma relação entre a pressão de oxigênio alveolar e o grau de saturação da hemoglobina.
Abaixo, uma representação gráfica dessa relação:
Perceba que até aproximadamente 80mmHg de PO2 no sangue, a HB praticamente não altera sua saturação. Esses 80mmHg correspondem a aproximadamente 1500mts de altitude. Assim, há um platô na curva que garante ao ser humano habitar e locomover-se entre regiões até 1500mts de altura sem alterar de forma alguma sua saturação da hemoglobina.
Chama a atenção no gráfico acima que, findado o platô superior, a Hb perde rapidamente afinidade conforme cai a Po2 no sangue. E se a curva for deslocada para direita? A Hb perderá ainda mais afinidade com O2. Para mexer na curva, temos 4 formas: alterar a pressão de Co2, o Ph (H+), a temperatura do sangue e os DPG´s da rota glicolítica. Já vimos em outros posts desse blog que o exercício eleva as 3 últimas formas citadas. Assim, entendemos como a Hb perde afinidade com o oxigênio através do exercício, liberando mais O2 no plasma para uso dos órgãos e tecidos.
Há um exemplo contrário para você meu leitor, que não conseguiu entender muito bem toda situação exposta acima. Vamos imaginar o contrário. E se, por exemplo, a temperatura do sangue diminuísse? Mas como isso é possível? Simples. Nade numa água gelada. Sua temperatura sanguínea irá cair muito e, com isso, a afinidade da Hb com oxigênio iria aumentar. Quando diminuísse a reserva de O2 no sangue, a HB não disponibilizaria essa reserva e, em situações extremas, você entraria em óbito. Nesse caso, a curva da afinidade da HB por O2 deslocaria para a esquerda.
Muito bem, estamos falando sempre a respeito das trocas gasosas no nível do mar. Mas na montanha, como fica?
Como vimos na primeira figura desse post, no alto da montanha a coluna de ar sobre nossas cabeças é menor. Se a pressão atmosférica baixa, a pressão de O2 é proporcional e também baixa, fazendo baixar em cascata a pressão alveolar de O2. Assim, a saturação de HB vai baixar também.
Como vimos no gráfico, até 1.500 metros de altitude não há mudança na Hb por causa do platô superior da curva. Agora, observe a tabela abaixo, a altitude está expressa em metros.
Veja como o aumento da altitude implica numa menor pressão atmosférica e, proporcionalmente, uma menor pressão de O2 atmosférico. Na última linha temos o alto do Everest. Com uma pressão de O2 a 48mmHG, teríamos uma pressão alveolar de O2 de aproximadamente 30mmHG. Mas como alguém consegue chegar ao topo do Everest e sobreviver? Esses números não são incompatíveis com a vida? O organismo humano tem a capacidade de, a médio, curto e longo prazo, adaptar-se à altitude.
CURTO PRAZO - Quando deslocamos para regiões onde a pressão atmosférica de O2 é baixa, passamos por uma taquipnea, ou seja, um aumento do número de inspirações respiratórias em uma certa unidade de tempo. Por que isso ocorre? Porque se baixa a pressão de O2, baixa também a de Co2 e, assim, baixa também o hidrogênio dissolvido em água (não esqueça que Co2 + H2O=H2Co3, que libera um H+ e HCo3), o que gera alcalose respiratória (é uma hiperventilação que leva a uma concentração plasmática diminuída de dióxido de carbono).
MEDIO PRAZO - Para solucionar o quadro acima, o organismo excreta pela urina HCo3 + H2O, visando deixar o meio mais alcalino. No entanto, o excesso de perda de líquido leva a uma hemoconcentração (sangue mais concentrado). No sangue com alta osmolaridade, o O2 é melhor aproveitado pela concentração maior de hemácias. No entanto, a alta viscosidade pode levar ao desenvolvimento de tromboses em vasos sanguíneos.
LONGO PRAZO - Como resultado da alta osmolaridade, o organismo começa a reter mais líquido pela ação do hormônio ADH. Assim, o rim começa a secretar eritropoetina para estimular a medula óssea a produzir mais hemácias. Ao fim de todo esse processo, o sangue do indivíduo será rico em hemácias.
E quanto tempo dura todo esse processo de curto, médio e longo prazo? Para 1.600 metros, uma semana é suficiente. A partir daí, a cada 600 metros de altura passa a ser necessária mais uma semana de adaptação, diferentemente do que se propaga na imprensa esportiva a respeito desses prazos, que prega os mais variados conceitos. No caso em específico do futebol se fala e se pratica algumas excentricidades, como planejar metade do tempo fisiologicamente necessário e considerá-lo suficiente. Na realidade, se o tempo total não for observado, o atleta pode estar na fase de curto, médio ou longo prazo de adaptação, variando de acordo com o número de dias e da altitude em que se encontra. Em particular na primeira semana de adaptação, o organismo responde de forma mais agressiva, é o pior período para prática desportiva. O ideal, se não há condição de preparar-se com antecedência, é apresentar-se para o evento desportivo o mais tardiamente possível, visando evitar os primeiros sinais de adaptação orgânica à altitude.
E o contrário? O que acontece quando um atleta e/ou sedentário adaptado à altitude desce ao nível do mar?
Como vimos nesse post, o sangue adaptado à altitude é rico em hemácias. Mas as hemácias tem uma meia vida de 120 dias. Assim, ao final desse prazo, e se o indivíduo permanecer ao nível do mar, seu número de hemácias estará normalizado. Durante esse período a musculatura do atleta, que estava em homeostase com o número de hemácias, não fará proveito algum do excesso se não for desenvolvida. Assim, o atleta que "desce da montanha" precisa realizar um trabalho em alta densidade para que o músculo se capacite a utilizar o oxigênio extra das hemácias.
O ideal é que por volta de 45, 60 dias antes de uma competição o atleta de alto rendimento adaptado à altitude desça ao nível do mar e realize um grande volume de treinos. Quando chegar o dia da competição ele terá seu tecido muscular aproveitando melhor o oxigênio disponível nas hemácias que ainda estão com uma boa quantidade acima da quantidade normal, visto que apenas 50% da meia vida dessas células foi atingido.